Folha - demografia da universidade - análise do gráfico 10.14
*
O fenômeno do aumento
da longevidade
Como ícones de idosos que tínhamos em nossa infância e
juventude, muitos talvez mencionem a Dona Benta ou o Dr Brown (do De Volta para
o Futuro).
Que idade vocês imaginam que
tinha a atriz Zilka Salaberry quando atuou como a eterna Dona Benta do Sítio do
Picapau Amarelo? E o Christopher Lloyd quando interpretou o Dr. Brown? Zilka
tinha 60 anos e Lloyd, 47 anos.
Como assim? Nós que hoje estamos certamente acima (alguns
mais acima) dos trinta, entramos nos “enta”, temos dificuldade de assimilar que
a imagem iconográfica de uma pessoa de idade fosse feita por alguém de quarenta
anos de idade. Paul MacCartney que indagou como seria seu amor aos 64 anos, já
está nos 76 e ainda fazendo muitos shows.
O fato é que “não nos sentimos velhos” e esse deslocamento
da longevidade para patamares altos é um fenômeno mundial, atribuído a avanços
em saneamento, fármacos, nutrição e tecnologia. Esse fenômeno se associa a um
pacote de alterações sociais e comportamentais, desde o adiamento da maternidade
e redução da taxa de fecundidade até o novo comportamento das novas gerações, “nem-nem”,
“mimimi”, infantilizadas pelos pais-quase-avós. O foco deste post, entretanto, não é discutir esse aspecto psicológico (apesar
desse ser um assunto intrigante), mas sim,
o aspecto previdenciário.
Previdência
A criação do primeiro sistema de previdência é atribuída ao chanceler Otto
von Bismarck, na Alemanha em 1889. Bismarck estabeleceu um sistema nacional que
assegurava o pagamento de uma pensão a todos os trabalhadores do comércio,
indústria e agricultura que tivessem 70 anos ou mais.
Nas décadas seguintes, cada país começou seus próprios
sistemas que evoluíram até os dias de hoje. No Brasil, o Artigo 201 da
Constituição Federal brasileira prevê o Regime Geral de Previdência Social
(RGPS), que foi administrada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social por várias décadas e hoje pertence ao Ministério da Economia. As
políticas referentes a essa área são executadas pela autarquia federal
denominada Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Todos os trabalhadores
formais do sistema geral recolhem, diretamente ou por meio de seus
empregadores, Contribuições Previdenciárias. No caso dos servidores públicos
brasileiros, existem sistemas previdenciários próprios (RPPS) que variam de empregador a empregador.
O grande drama vivido pela Brasil, no momento, é que o
sistema de previdência desenhado no início do século XX, não é sustentável pelo
estado e causa grandes transtornos às outras rubricas de gastos públicos, e
isso ocorre tanto devido ao bom problema do aumento da longevidade, quanto à
inversão da pirâmide etária do Brasil. O Brasil é um dos países com maior custo
da longevidade (gasto público com previdência - em % do PIB - versus a razão de dependência - em proporção de idosos 65+/ população 20-64) no mundo.
Previdência na Unicamp
No caso da Unicamp, existem, grosso modo, os servidores celetistas
que se enquadram no RGPS e servidores estatutários no RPPS. O sistema RGPS e
RPPS seguem o modelo de Repartição Simples. Neste modelo, cada ativo contribui
com um percentual de seu salário e a diferença entre o que deve ser pago aos
atuais beneficiários e o total dessas contribuições é arcada pelo orçamento do
ente pagador do benefício. Essa diferença constitui a IF, Insuficiência
Financeira. No caso da Unicamp, os beneficiários do RGPS são pagos pelo INSS e os
do RPPS são pagos pela SPPREV, usando o próprio recurso financeiro de RTE (Recurso
de Tesouro do Estado) da Universidade. Na prática, a Universidade paga a
aposentadoria do RPPS da casa, rodando a folha e contemplando um número de
pessoas que representa cerca de 5 mil pessoas.
Após a criação da SPPREVCOM, hoje chamada de PREVCOM, todos
os servidores estatutários que foram contratados a partir de outubro de 2013, recolhem
para o SPPREV limitado ao teto do RGPS e tem a opção de recolher à PREVCOM, a contribuição que excede
esse valor. Trata-se então de um sistema de Previdência Complementar, realizada com Contribuição Individual e Contribuição Paritária do Patrocinador.
O recolhimento da PREVCOM tem a paridade do empregador até 7,5%. O servidor
pode recolher até 20%. Os servidores celetistas
admitidos em qualquer época também podem optar pela PREVCOM, e possuem, da mesma
forma, paridade da Unicamp até 7,5% do que excede o teto do INSS.
Fonte: Anuário estatístico da Unicamp, 2017
O gráfico 10.14, exibido no
post anterior, indica, devido à tendência dos números, o grande desafio
que temos pela frente.
A Unicamp reflete um microcosmo daquilo que ocorre no estado
inteiro de São Paulo e no Brasil.
A insuficiência financeira (IF) no estado de São Paulo, um dos mais equilibrados do Brasil, foi de 21,7 bilhões de reais em 2018. Há cerca de uma
década, a IF era o terceiro elemento de despesa do estado e hoje, é o primeiro. A
previsão feita por simulações estima que em 2028, a IF será de 41,3 bi; em
2038, de 49,8 bi e em 2048, de 52,1bi. Em 2058 finalmente a IF começa a cair
para 44,7 bi e 2068, 34,2 bi, devido às aposentadorias seguirem o novo modelo
da PREVCOM.
Em 2018, a IF foi o orçamento de quase nove Unicamps. Ocorre
que, quem ingressa ao regime de previdência complementar não mais contribui ao
RPPS, na parcela acima do teto do RGPS, pois contribui em uma conta própria. Além disso, a
própria demografia nacional, que se reflete também na Unicamp, nos fará chegar a um momento em que haverá um ativo contribuinte para cada aposentado, podendo esta razão chegar a valores menores do que um.
O próprio gráfico 10.14 tende a atingir um máximo quando o percentual
for acima de 50%. Ou seja, a folha da Unicamp será composta, em sua maioria, de
inativos.
Impacto da realidade
previdenciária na Unicamp
Desta forma, existem duas grandes ilusões atuais:
1) Reclamar que não estamos conseguindo repor a
quantidade de funcionários de acordo com as aposentadorias.
2) Tratar de se aposentar logo para se livrar de um
problema.
Sobre o item 1, É CLARO que a reposição “um
para um” de servidor ativo não será mais possível. E é nesse sentido que eu digo que a
Universidade terá que operar de maneira diferente do que vinha operando.
Situações de ociosidade local, ineficiências e mesmo a clara priorização de atividades
de acordo com a atividade-fim da Universidade serão questões a serem enfrentadas. Para os
desesperados de plantão, eu continuo afirmando que, esta nova Unicamp, mais
enxuta e mais eficaz, terá que ser um excelente ambiente de trabalho, com um
plano de carreira que reconheça o mérito dessa contribuição. Reduzir folha
nunca significou reduzir salário. Significa ter um corpo mais enxuto de
colaboradores, que trabalhará engajado se houver o real reconhecimento de seu
trabalho e das consequências que ele traz à Universidade. Não acreditar nisto,
é enterrar a possibilidade a Unicamp continuar sendo a melhor universidade da
América Latina.
De fato, conhecemos modelos que operam com headcounts muito diferentes dos nossos, com excelência,
mas sempre acusamos que esses modelos eram muito diferentes, distantes ou
inadequados aos nossos. Gosto de me lembrar de números como a da Universidade
do Porto e outras públicas no mundo.
Trabalhar numa situação em que teremos um
RTE com menos espaço para pagar ativos é uma necessidade que ficará cada vez mais real. E defendido num contexto em que
o não cumprimento da capacidade de lidar com nossas próprias despesas, pode ameaçar
a tão aclamada e defendida Autonomia Universitária.
Já a segunda ilusão ocorre como uma
garantia particular de direitos adquiridos, mas sem muitas vezes observar que a
fonte assegurada de pagamento de seus benefícios vem também de uma saudável
gestão orçamentária da Universidade. Não adianta achar que o “furo ficou do
lado de lá do barco”... os aposentados têm que se mobilizar, ajudar e exigir a
responsável gestão orçamentária. O duro é como fazer isso, pois não possuem
mais voz ativa nos fóruns da Universidade...
Tudo o que explicito aqui, era conhecido
e previsível há algum tempo. Mas temos uma capacidade imensa de negação, de um otimismo de crescimento chinês, de procrastinar discussões, ações e decisões, de novo, difíceis. Alguns
já imaginam que seja melhor deixar o sistema colapsar (quase como uma nova
Grécia), e que todos percam igualmente e de uma forma catastrófica.
Mensagem
final
Desta forma, eu finalizaria primeira
análise do meu post de dados e, especificamente falando do gráfico 10.14, com as
seguintes afirmações:
- a Universidade não poderá operar daqui a dez anos, como vinha operando no passado. Uma grande reforma estruturante de
operação das atividades meio ou que não são a finalidade da Universidade terá
que ser feita. Fazer a política interna agradando os grupos internos que só
pensam em sua própria sobrevivência não levará aos necessários redesenhos que
levariam a Universidade aos melhores resultados. A discussão é mais ampla do
que bater bumbo no Palácio dos Bandeirantes (lembrem-se que a situação do
estado é muito ruim).
- para mantermos a posição de melhor Universidade da América
Latina, teremos que investir em um sistema meritocrático de reconhecimento. Manter o
engajamento dessas pessoas é fundamental.
- por fim, eliminar o embate, que pode ocorrer,
entre antigos e novos, pois da mesma forma como o antigo pode prezar pelo seu
direito adquirido, o novo pode se questionar se deve ser o único a pagar o
preço de uma conjuntura que vai além da decisão discricionária: o redesenho do
sistema previdenciário é um problema internacional. Todos terão que colaborar... e
se esse pacto não ocorrer? Caminho curto para a ameaça de nossa Autonomia
Universitária, na dimensão da Unicamp; e do colapso econômico do estado e do país,
no âmbito estadual e federal.
* fonte da foto:
https://pixabay.com/pt/photos/m%C3%A3os-antigo-jovem-explora%C3%A7%C3%A3o-216982/
* fonte da foto:
https://pixabay.com/pt/photos/m%C3%A3os-antigo-jovem-explora%C3%A7%C3%A3o-216982/
Parabéns pela iniciativa!
ResponderExcluirObrigada, Álvaro. Informação é essencial!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Professora. Obrigado pelas informação e discussão. Muito esclarecedora!
ResponderExcluirObrigada a você, Daniel. Postarei informações frequentemente que sejam do interesse de vocês. Agradeço qualquer sugestão de assunto. abraço, Marisa.
Excluir