Parte 4: Análise da folha - gráfico 11.2


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Análise do gráfico 11.2: servidores não docentes.



Este gráfico é um dos mais sensíveis a serem analisados dentro da folha.
Ele traz conceitos que devemos tratar com muito cuidado, sobretudo nesses tempos de extrema polarização.  Qualquer crítica pode ser passível de má interpretação e acusação de que não valorizamos uma área ou outra.

Numa primeira impressão, notamos uma grande concentração de funcionários fora das Unidades de Ensino e Pesquisa e Colégios Técnicos.

Saúde

O primeiro grupo, maior em número (representa quase 45% do corpo de funcionários em 2017, 43,7% em 2015, 42,7% em 2013, 42,3% em 2011), consiste nos funcionários das áreas assistenciais da saúde.
A área assistencial da saúde sempre foi uma fatia (azul) importante do orçamento RTE (Recurso de Tesouro do Estado) da Unicamp. Aquela fatia do gráfico não inclui o funcionário contratado via convênio SUS, mas somente aqueles contratados via recurso orçamentário, tampouco inclui o funcionário da FCM (Faculdade de Ciências Médicas) que consta como Unidade de Ensino e Pesquisa (fatia verde clara).

A Unicamp possui duas imagens distintas: por atuar com excelência na área da saúde, forma na comunidade local (raio de uns 100km), a impressão de que a Universidade é o Hospital (HC, Caism, Gastrocentro, Hemocentro). Já a comunidade externa, de outros estados, principalmente constituída de alunos e pesquisadores de outras áreas, que não sejam saúde, consegue reconhecer a Unicamp como Universidade. Posso exemplificar com o meu caso particular: vim estudar Engenharia na Unicamp, saindo do estado do Rio de Janeiro, devido ao programa de Vestibular Nacional e motivada pela fama da Unicamp trabalhar com excelência e pesquisa de ponta e, na época que decidi por esse caminho, eu nem tinha conhecimento de que havia área hospitalar na Unicamp...

Então, do ponto de vista histórico, essas duas imagens parecem ter coexistido há longa data. Do ponto de vista político, entretanto, há algumas armadilhas. A primeira delas é que indubitavelmente, os funcionários das áreas assistenciais da saúde possuem um peso político imenso na Universidade. Sendo que, por serem uma área hospitalar, possuem uma dinâmica distinta do restante da Universidade. Não se esperava que fosse diferente: as necessidades são, de fato, distintas, assim como a demanda natural por quantidade maior de servidores, contratados em velocidades maiores que os concursos de uma Universidade.

Como o voto numa consulta a reitor é direto, a área da saúde conta, dentro do universo dos funcionários da Unicamp, com um peso equivalente à sua proporção dentro da categoria (quase a metade). Já os funcionários lotados nas Unidades de Ensino e Pesquisa, perfazem sempre algo em torno de 25% no peso político. Sem dúvida alguma, isto traz alguma distorção no peso de representação e projeção das 24 Unidades de Ensino e Pesquisa em comparação com as áreas assistenciais da Saúde. Não há como um reitor se eleger com ações impopulares na área da saúde, o que se torna uma armadilha caso ajustes sejam necessários e  importantes.
Em proporção menor, mas fenômeno parecido ocorre com o peso na área docente, uma vez que a FCM (Faculdade de Ciências Médicas) é a Unidade com maior número de docentes.
Desta forma, a análise global sobre o peso político da área da saúde continua valendo.

Essa é a perversidade que se opõe ao bonito movimento democrático de voto direto na consulta a reitor: as áreas maiores (com maior headcount), têm maior peso político. As áreas mais enxutas pesam menos. Na Unicamp é um “tiro no pé”, do ponto de vista político, ser enxuto e eficiente.

Isso traz consequências em diversas áreas, em maior ou menor grau: nas votações para representações (docentes e de funcionários), na composição de câmaras, entre outras. Esse efeito somente se dilui na representação de diretores pois há somente um por Unidade de Ensino e Pesquisa.

Áreas administrativas

Outra fatia polêmica é a das outras áreas (em cor laranja do gráfico em pizza). Ali estão todas as áreas de apoio, órgãos gerais e centrais, além de centros e núcleos.
Não acho que esta área deva ser pequena, mas ser maior que a fatia das Unidades de Ensino e Pesquisa traz uma inquietação: faria sentido se as estruturas prezassem por um modelo de serviços centrais que aglutinassem os processos e não induzissem à replicação de estruturas nas Unidades de Ensino e Pesquisa. Apesar desse ser o senso comum e geral, não é bem a realidade, salvas honrosas exceções.
Somos craques em criar cada vez mais órgãos centrais em vez de aglutinar os similares, ou os que possuem interface óbvia. É uma alegria política criar novos órgãos, distribuir novas certificações e GRs, mas uma guerra inglória enxugá-las ou extingui-las. Mesmo num momento de total ameaça de contas públicas ou de exigência de eficiência, é inútil tentar extinguir algum órgão, ou somá-lo a outro. Muitas vezes, a relotação de grupos, o redesenho de sistemas e processos são substituídos pela atitude conveniente e confortável de criar-se um novo órgão equivalente ao que fará o que um outro deveria ter feito.
E assim, os órgãos vão se multiplicando e convivendo, num ecossistema em que as atividades-meio vivem por si somente... como se fossem a grande razão de existir da Universidade. E, pelo mesmo problema do peso político já dito acima para a área assistencial da saúde, nenhum grupo que tenha, minimamente a ambição de dirigir a Universidade ousa desmotivar ou redimensionar essas áreas, pois grande desgaste é gerado neste processo.
Seria necessário e possível, entretanto, implantar na Universidade, um sistema mais matricial de trabalho. Com sinergia positiva entre colaboradores das Unidades e da área central. Mas para isto, seria necessário um grande pacto, grande planejamento e conscientização para se ter o apoio final de quem fará o trabalho. As pessoas devem enxergar que enxugar processos não significa trabalhar mais, mas trabalhar melhor (como um slogan de uma certa companhia: work clever, em vez de work hard...). Isto traria um ambiente de trabalho mais assertivo, mais claro, mais reconhecedor e com menos “batidas de cabeça”.

Quais são as barreiras para que isto se concretize?

A primeira, já falamos no post da gangorra política. Implementar mudanças culturais requer liderança, apoio e trabalho. Não temos necessariamente essa combinação.

A segunda seria a dificuldade de se fazer um importante trabalho de parceria da área da saúde em que haja uma divisão clara, um limite de orçamento RTE a ser destinado à área assistencial, para que esta não se sobreponha a outras. Eu particularmente acredito nisso. Um crescimento em detrimento de outras áreas é perigoso, e acontece não somente devido ao poder político da qual falamos, mas porque saúde é natural e essencialmente, um bem prioritário. Apesar de contestado, Maslow ainda representa uma boa forma de dizer o quanto as necessidades fisiológicas ficam acima e prioritariamente à frente de qualquer outro fator. Saúde é  naturalmente um forte argumento para reivindicação de suplementações e extras e, em época de restrições, mesmo que também se restrinjam, ainda podem crescer em percentual, porque essas áreas tendem a não encolher como as demais áreas muitas vezes são forçadas a fazer.  A saúde é naturalmente um gigante cujo tamanho deve ser pactuado e delimitado, de forma racional, do restante da Universidade. Não adianta submetê-los aos mesmos processos administrativos internos, senão, a disputa diária se torna assimétrica e inglória, indispondo os competentes colegas da área da saúde com o restante da Universidade. A circunvizinhança convenientemente se adaptou a ter uma Unicamp que supre as necessidades de investimento em saúde que os municípios não fazem.

Terceira barreira, a nossa falta de assertividade em dizer que temos que ter estruturas 100% funcionais e sem replicação, nos traz a dificuldade de dizer não, tanto para a criação de novas estruturas-meio quanto para mudar/extinguir o que não tem funcionado bem. Um remanejamento interno de funcionário é quase uma guerra pessoal, com muito desgaste. Ninguém quer esse ônus.

Por fim, e não menos importante, há os agentes externos, como os sindicatos. No caso do STU, e muitos representantes de funcionários, o objetivo é sempre ampliar o corpo de colaboradores. A perda do número de funcionários é enxergada como uma perda política (de curral partidário) e não como uma via de investimento mais qualificado de recursos na categoria. Desta forma, se travam verdadeiras batalhas que acabam não por defender o trabalhador, mas por defender o crescimento perpétuo de afiliados. Tais equívocos são vistos quando se confunde redução de tamanho de folha como redução de salário. Um ajuste de headcount (lembre-se que na Unicamp, isso se dá somente a partir da contenção de recontratações) é visto como algo sempre deletério.

O gráfico 11.2 é muito importante e revela como uma parcela importante e trabalhadora da Unicamp está, muitas vezes, distribuída em sistemas de trabalho e governança que precisam de ajustes.
O desenho tem que ser bem regrado e distribuído. A missão de trabalhar esse aspecto da governança da Universidade faz parte da responsabilidade da nossa autonomia administrativa.


*https://pixabay.com/pt/illustrations/equil%C3%ADbrio-balan%C3%A7o-igualdade-2108022/

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